segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

ARTE + COTIDIANO - Edição número 12


Como podemos relacionar as artes visuais com as experiências do cotidiano? Quais são os elementos marcantes nas artes visuais que podem ser percebidas nos eventos diários ou na história?

Através da série de artigos ARTE + COTIDIANO propomos um exercício de percepção, de sensibilidade... Estimular o pensamento por conceito. Trabalhar a mente para fazer analogias. Ampliar sua criatividade. Em tudo enxergar a arte! A seguir, o Número 12!





LEONARDO DA VINCI e HIERONYMUS BOSCH 
contemporâneos e diferentes




Hieronymus Bosch – 1450 – 1516 – s’Hertogenbosch, Holanda
Leonardo da Vinci – 1452 -1519 – Florença, Itália

Leonardo da Vinci e Hieronymus Bosh foram artistas contemporâneos, nascidos e falecidos praticamente na mesma época.

Porém, as circunstâncias de vida – aspectos internos e externos,  de cada um levaram-nos a retratar um o tema da fé católica romana em suas pinturas com características visuais e conceituais extremamente diferentes.

Viveram na época da Renascença. Um período no qual afloraram intensas mudanças em todas as áreas. Havia uma verdadeira revolução psicológica, científica, econômica, social e religiosa. Eram as bases do cenário europeu, onde viviam Bosh e Da Vinci.

Especificamente sobre o tema RELIGIÃO – fé católica romana,  tiveram formas muito diferentes de retratar sua visão.

Leonardo da Vinci tinha seu trabalho financiado pela igreja e pela realeza. Especificamente pela igreja, suas obras deveriam retratar a visão cristã da fé, com seus ícones, passagens bíblicas mais significativas para o evangelismo e educação religiosa, santos, a virgem Maria, e dogmas da fé católica romana. Neste sentido, Leonardo era direcionado pelos valores religiosos do clero, em suas criações.
Suas obras eram repletas de suavidade, beleza, indicativos de santidade, e tudo executado com extrema técnica e habilidade.

Leonardo, todavia, não professava esta fé. Era animista. Além disto, era polímata, envolvendo-se em diversas áreas do conhecimento, o que o tornou um símbolo do Renascimento em relação principalmente à valorização e desenvolvimento da ciência. Uma época onde a razão questionava dogmas, e as artes brilhavam com técnicas representacionais inovadoras. Leonardo da Vinci expressava todo este momento muito bem.

Dois bons exemplos da técnica, foco nos temas religiosos da fé católica romana, são as obras a seguir.



"Anunciação" - 1472-1475. Nesta obra a importância da técnica e da paisagem é nítida - revelam novos valores da arte do Renascimento.

 "Madona das rochas" - 1483. A virgem é retratada em suavidade, mas sem auréola. A paisagem é muito explorada. Os gestos das mãos são um prenúncio ao Barroco que está por vir - emoção.
  



Num extremo oposto em relação às circunstâncias que a vida impôs, estava Hieronymus Bosch.
Bosch casou-se com uma mulher de família muito rica, e pode, ele mesmo, financiar toda sua obra, apesar de receber algumas encomendas.

Bosch era membro de uma comunidade católica ultraortodoxa que venerava a virgem Maria. Reratava os temas da fé católica romana com muita ênfase no pecado e suas consequências. Tinha absoluta fixação em retratar o inferno.

Suas obras tornavam explícitos a insensatez humana e o homem tolo: o que come, bebe, flerta, trapaceia, disputas em jogos (inclusive jogos sexuais), persegue objetivos inalcançáveis.
Suas pinturas são repletas de criaturas ocultas de nosso egoísmo íntimo, e assim Bosch exterioriza a feiúra interior através de demônios disformes, criaturas metamorfoseadas, sons horríveis, cheiros ruins, nojo, aversão a si mesmo.
 
Um excelente exemplo disto é o tríptico “Jardim das Delícias”, onde, em cada uma das 3 partes, Bosch retrata sua visão do “paraíso terrestre”, “os deleites terrenos” e “o inferno”. Veja alguns detalhes desta obra a seguir.

"Jardins das Delícias" - tríptico aberto - 220 x 389 cm. Na primeira parte (esquerda) o "Paraíso terrestre" onde é retratada a criação, o casal original e a paz de que gozavam. Na segunda parte (central) os "pecados da carne" são retratados de forma muito intensa: pessoas desinibidas em jogos sexuais que não se constrangem nem mostram arrependimento - símbolos eróticos e intensa atividade sexual . Na terceira parte (direita), as consequências do pecado: "o inferno". Cenas bizarras de auto-abuso, defecação, desmembramento, gula que provoca vômitos, dentre outros símbolos, retratam os castigos dos homens que não herdaram o céu.

Duas visões distintas do mesmo tema.  Duas visões de fé e de arte!

Este caso comparativo nos leva a refletir sobre como as circunstâncias de vida de cada um podem “pintar um quadro” diferente sobre o mesmo assunto.

Você já vivenciou algo em que sua opinião parecia absolutamente distinta da opinião de outras pessoas?
 

Profa. Arq. Maria Pilar Arantes
CENTRO DE ARTES E DESIGN