Como
podemos relacionar as artes visuais com as experiências do cotidiano? Quais são
os elementos marcantes nas artes visuais que podem ser percebidas nos eventos
diários ou na história?
Através da série de artigos ARTE + COTIDIANO propomos um exercício de percepção,
de sensibilidade... Estimular o pensamento por conceito. Trabalhar a mente para
fazer analogias. Ampliar sua criatividade. Em tudo enxergar a arte! A seguir, o
Número 12!
LEONARDO DA VINCI e HIERONYMUS BOSCH
contemporâneos e diferentes
Hieronymus Bosch – 1450 – 1516 –
s’Hertogenbosch, Holanda
Leonardo da Vinci – 1452 -1519 – Florença,
Itália
Leonardo da Vinci e Hieronymus Bosh foram
artistas contemporâneos, nascidos e falecidos praticamente na mesma época.
Porém, as circunstâncias de vida – aspectos
internos e externos, de cada um
levaram-nos a retratar um o tema da fé católica romana em suas pinturas com
características visuais e conceituais extremamente diferentes.
Viveram na época da Renascença. Um período
no qual afloraram intensas mudanças em todas as áreas. Havia uma verdadeira
revolução psicológica, científica, econômica, social e religiosa. Eram as bases
do cenário europeu, onde viviam Bosh e Da Vinci.
Especificamente sobre o tema RELIGIÃO – fé católica
romana, tiveram formas muito diferentes
de retratar sua visão.
Leonardo da Vinci tinha seu trabalho
financiado pela igreja e pela realeza. Especificamente pela igreja, suas obras
deveriam retratar a visão cristã da fé, com seus ícones, passagens bíblicas
mais significativas para o evangelismo e educação religiosa, santos, a virgem
Maria, e dogmas da fé católica romana. Neste sentido, Leonardo era direcionado
pelos valores religiosos do clero, em suas criações.
Suas obras eram repletas de suavidade,
beleza, indicativos de santidade, e tudo executado com extrema técnica e
habilidade.
Leonardo, todavia, não professava esta fé.
Era animista. Além disto, era polímata, envolvendo-se em diversas áreas do
conhecimento, o que o tornou um símbolo do Renascimento em relação
principalmente à valorização e desenvolvimento da ciência. Uma época onde a
razão questionava dogmas, e as artes brilhavam com técnicas representacionais
inovadoras. Leonardo da Vinci expressava todo este momento muito bem.
Dois bons exemplos da técnica, foco nos temas
religiosos da fé católica romana, são as obras a seguir.
"Anunciação"
- 1472-1475. Nesta obra a importância da técnica e da paisagem é nítida -
revelam novos valores da arte do Renascimento.
"Madona
das rochas" - 1483. A virgem é retratada em suavidade, mas sem auréola. A
paisagem é muito explorada. Os gestos das mãos são um prenúncio ao Barroco que
está por vir - emoção.
Num extremo oposto em relação às
circunstâncias que a vida impôs, estava Hieronymus Bosch.
Bosch casou-se com uma mulher de família
muito rica, e pode, ele mesmo, financiar toda sua obra, apesar de receber
algumas encomendas.
Bosch era membro de uma comunidade católica
ultraortodoxa que venerava a virgem Maria. Reratava os temas da fé católica
romana com muita ênfase no pecado e suas consequências. Tinha absoluta fixação
em retratar o inferno.
Suas obras tornavam explícitos a insensatez
humana e o homem tolo: o que come, bebe, flerta, trapaceia, disputas em jogos
(inclusive jogos sexuais), persegue objetivos inalcançáveis.
Suas pinturas são repletas de criaturas ocultas
de nosso egoísmo íntimo, e assim Bosch exterioriza a feiúra interior através de
demônios disformes, criaturas metamorfoseadas, sons horríveis, cheiros ruins,
nojo, aversão a si mesmo.
Um excelente exemplo disto é o tríptico “Jardim
das Delícias”, onde, em cada uma das 3 partes, Bosch retrata sua visão do “paraíso
terrestre”, “os deleites terrenos” e “o inferno”. Veja alguns detalhes desta
obra a seguir.
"Jardins
das Delícias" - tríptico aberto - 220 x 389 cm. Na primeira parte
(esquerda) o "Paraíso terrestre" onde é retratada a criação, o casal
original e a paz de que gozavam. Na segunda parte (central) os "pecados da
carne" são retratados de forma muito intensa: pessoas desinibidas em jogos
sexuais que não se constrangem nem mostram arrependimento - símbolos eróticos e
intensa atividade sexual . Na terceira parte (direita), as consequências do
pecado: "o inferno". Cenas bizarras de auto-abuso, defecação,
desmembramento, gula que provoca vômitos, dentre outros símbolos, retratam os
castigos dos homens que não herdaram o céu.
Duas visões distintas do mesmo tema. Duas visões de fé e de arte!
Este caso comparativo nos leva a refletir
sobre como as circunstâncias de vida de cada um podem “pintar um quadro”
diferente sobre o mesmo assunto.
Você já vivenciou algo em que sua opinião
parecia absolutamente distinta da opinião de outras pessoas?
Profa. Arq. Maria Pilar Arantes
CENTRO DE ARTES E DESIGN